REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÃO – RDC
Introdução
O Regime Diferenciado de Contratações Públicas, conhecido desde o seu nascimento pela sigla RDC, foi instituído em nosso ordenamento jurídico através da Lei nº 12.462/2011, e consiste em um novo regime de licitações e contratos para a Administração Pública brasileira.
Criado, inicialmente, para as obras, serviços e compras relacionadas aos eventos esportivos de grande importância que seriam realizados no país a partir de 2013, a Copa das Confederações da FIFA, a Copa do Mundo FIFA em 2014 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos em 2016 na cidade do Rio de Janeiro, por entender o Governo Brasileiro que a legislação que trata da matéria licitatório-contratual, a Lei nº 8.666/93, era demasiadamente burocrática, e não oferecia meios de oferecer, caso fosse utilizada, a rapidez e o resultado adequado para a realização dos eventos esportivos.
Desse modo, flexibilizou-se procedimentos licitatórios e de contratação, através da Medida Provisória nº 527/2011, convertida na Lei 12.462/2011, e por meio do Decreto nº 7.581/2011, que regulamentou o Regime Diferenciado de Contratações Públicas na Administração Pública Federal.
A legislação em destaque, Lei 12.462/2011, foi sofrendo alterações com o passar do tempo, de modo que outras ações, obras e serviços de engenharia pudessem ser contempladas com o novo regime. Vejamos:
- A primeira delas se deu com a Lei 12.688, de 18 de julho de 2012, que consignou que o RDC também seria aplicável às licitações e contratos necessários à realização das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
- Em seguida, no dia 03 de outubro de 2012, por meio da Lei 12.722, ampliou-se novamente o âmbito de alcance do RDC, passando a Lei 12.462/2011 a dispor que o RDC é aplicável às licitações e contratos necessários à realização de obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino.
- Posteriormente, a Lei 12.745, de 19 de dezembro de 2012, estabeleceu que o RDC também se aplicava a obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.
- Por último, no dia 24 de dezembro de 2013, foi adotada a Medida Provisória nº 630, que trouxe em seu conteúdo que as obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo também poderão ser licitadas e contratadas pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas. A Lei nº 12. 980/2014 incluiu, em definitivo, as áreas acima elencadas no artigo 1º da Lei 12.462/2011.
Percebe-se assim que a intenção do Governo é de substituir, passo a passo, a Lei n° 8.666/93, já que o novo regime já se aplica a todas as licitações referentes aos eventos esportivos, às ações integrantes do PAC e às obras e serviços de engenharia do SUS, dos sistemas públicos de ensino e do sistema prisional.
O aspecto principiológico do RDC pode ser denotado tendo em vista os objetivos previstos no Art. 3º da lei do RDC. A própria lei delimitou princípios que são condição sine qua non para o cabimento da utilização do respaldo legal do RDC, são eles:
- Legalidade;
- Impessoalidade;
- Moralidade;
- Igualdade;
- Publicidade;
- Eficiência;
- Probidade Administrativa;
- Economicidade;
- Desenvolvimento Nacional Sustentável;
- Vinculação ao instrumento convocatório; e
- Julgamento Objetivo.
Hipóteses de Cabimento
Nesta lei estão presentes todas as exigências e suas hipóteses de cabimento. Aliás, saliente-se que tais hipóteses de incidência do referido regime diferenciado de contratação constituem um verdadeiro rol taxativo, uma vez que o caput do Art. 1º da supracitada lei delimita com maestria as situações cuja lei do RDC irá incidir.
A lei do RDC, aparentemente, demonstra possuir um rol taxativo no momento em que elenca os casos nos quais imperará o seu regime. As hipóteses estão elencadas nos incisos do Art. 1º da referida lei, são elas:
I. Dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO); e
II. Da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação – Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo – Gecopa 2014 do Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 – CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
III. De obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais referidos nos incisos I e II.
IV. Das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) (Incluído pela Lei nº 12.688, de 2012);
V. Das obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. (Incluído pela Lei nº 12.745, de 2012);
VI. Das obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo. (Incluído pela Lei nº 12.980, de 2014)
Contratação Integrada
O Regime Diferenciado de Contratações – RDC – instituiu em seu artigo 8º um novo regime de execução contratual não previsto na Lei 8.666/93, denominado de contratação integrada, conforme se observa:
Art. 8º Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são admitidos os seguintes regimes:I – empreitada por preço unitário;II – empreitada por preço global;III – contratação por tarefa;IV – empreitada integral; ouV – contratação integrada.
Deve-se dizer que a “contratação integrada” já existe no ordenamento jurídico brasileiro desde 1998, porém, exclusivamente para uso da empresa estatal Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras), pois o Decreto 2.745/1998 que aprovou o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado daquela empresa autorizou a Petrobras a “sempre que economicamente recomendável” utilizar-se da contratação integrada.
Assim, além de instituí-lo para a Administração Pública de forma geral, foi além o RDC, informando que nas licitações para contratações de obras e serviços de engenharia tal regime deveria ser usado preferencialmente, juntamente com a empreitada por preço global e a empreitada integral, conforme se percebe no §1º, do art. 8º da Lei 12.462/2011, verbis:
“§ 1º Nas licitações e contratações de obras e serviços de engenharia serão adotados, preferencialmente, os regimes discriminados nos incisos II, IV e V do caput deste artigo”.
Cumpre ressaltar que os demais regimes já existiam na Lei 8.666/93 e o RDC apenas repetiu as definições referentes a essas quatro modalidades, já contidas no artigo 6º da Lei 8.666/93. A inovação trazida foi a inclusão do regime de contratação integrada, que será o nosso objeto de análise.
O regime de contratação integrada determina que o licitante elaborará e desenvolverá o projeto básico e o projeto executivo, além de executar as obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais intervenções necessárias e suficientes para entregar o objeto.
A criação de tal regime de execução ocasionou, portanto, a autorização para que o projeto básico pudesse ser realizado pela própria empresa participante do certame, o que era vedado anteriormente pelo nosso ordenamento jurídico, conforme se depreende do artigo 9º da Lei 8.666/93:
Art. 9º. Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:
I – o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;
II – empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;
III – servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.
O novo regime de contratação integrada implica na realização de uma única licitação para projeto básico, projeto executivo e execução de obras e serviços.
A grande discussão que se apresenta é a de que sem a existência de um projeto básico anterior, não estaria definido de forma clara o objeto da licitação, o que impediria a realização de uma das premissas básicas do procedimento licitatório, que é justamente a comparação objetiva das propostas oferecidas no certame.
A definição prévia e detalhada do objeto a ser licitado se configura como um mandamento que advém do princípio da isonomia dos participantes, posto que é a partir do objeto que se analisa de forma equânime as propostas.
Sem o projeto básico, deixa a Administração Pública de estabelecer o conjunto de elementos suficientes para caracterizar o que está pretendendo contratar, assim, não haverá disputa possível, pois as propostas dirão respeito a alguma coisa que não se sabe ao certo o que é.
A relevância do Projeto Básico se mostra no artigo 7º, §2º da Lei 8.666/93 que somente admite a abertura de licitação para obras e serviços quando houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório.
Por todo o exposto, percebe-se que é justamente a descrição analítica e adequada do projeto que permite que os licitantes tenham conhecimento da obra ou serviço a ser licitado e ofereça a proposta pertinente. A inexistência de projeto básico anterior poderá ocasionar o oferecimento de propostas com valores bem abaixo dos praticados no mercado e, portanto, inexequíveis, bem como propostas com valores muito altos, acima daqueles praticados no mercado, exatamente por não se saber com exatidão aquilo que a Administração solicita, pois não há delineamento adequado do objeto.
Frise-se que mesmo sob a égide da Lei 8.666/93, onde exige-se projeto básico prévio, sofre a Administração Pública para que veja m seus projetos realizados a contento, pois, em inúmeros casos, os projetos básicos são inadequados, o que causa transtornos para a Administração durante a execução contratual. Imagine-se, pois, a qualidade dos projetos básicos que serão feitos após a assinatura do contrato e sem o detalhamento daquilo que a Administração Pública necessita.
Sob a égide da Lei 12.497/2011, a definição exata das características e do valor das obras contratadas só serão aferíveis após a assinatura do contrato e a realização do projeto básico pelo contratado.
A ineficiência do projeto poderá, inclusive, obstar todo o prosseguimento do contrato, pois é possível que haja necessidade de realização de tantas alterações técnicas que seja desnaturado o objeto contratado. De fato, o novo regime faz com que as condições efetivas de contratação sejam, na verdade, definidas durante a execução contratual.
Estabeleceu no artigo 9º, §2º que o instrumento convocatório das contratações integradas deveriam conter ‘anteprojeto de engenharia’ que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço, incluindo a demonstração e a justificativa do programa, as condições de solidez, segurança, durabilidade, prazo de entrega, estética do projeto arquitetônico e os parâmetros de adequação ao interesse público, economia na utilização, cuidados ambientais e acessibilidade.
Assim, tentou o legislador estabelecer uma maneira das contratações da Administração Pública terem pelo menos um padrão mínimo, já definido, o que, ao nosso ver, não suplanta a necessidade do projeto básico prévio, visto que as definições do artigo 9º, §2º da Lei são abertas, e não trazem certeza acerca do conteúdo do ‘anteprojeto de engenharia’.
Ora, por que não exigir o projeto básico, cujo conteúdo já foi discutido e debatido por diversas vezes por doutrinadores e pelos órgãos de controle e cujos elementos e requisitos já estão definidos em nosso ordenamento jurídico.
Não se vislumbra a necessidade de se criar um novo conceito, cercado de incertezas sobre os seus elementos essenciais.
Os Tribunais pátrios e os doutrinadores terão que estabelecer com precisão as diferenças entre o anteprojeto de engenharia e o projeto básico, visto que o RDC, em uma análise sistemática, parece informar que o anteprojeto de engenharia seria menos complexo (ou completo) que o projeto básico, sendo, portanto, uma peça mais simplificada, de mais célere confecção, e que, por ser mais simples, pode não estabelecer com precisão o objeto e as reais condições contratuais.
Conclui-se, pois, que a contratação integrada, em que pese o fato de trazer maior celeridade à realização de obras, está cercada de riscos e incertezas que poderão ocasionar mais problemas do que soluções na contratação e execução de obras públicas.
Acosto-me à corrente doutrinária que exige a realização de um projeto básico com detalhamento em nível adequado para que se realize a licitação e posterior contratação.
De acordo com o se verá a seguir, a não existência de projeto básico, agregado à não publicidade prévia do orçamento estimado pela Administração Pública trará riscos incalculáveis, razão pela qual entendo que deve ser necessário o projeto básico, e não mero anteprojeto de engenharia, porém, com possibilidade da publicidade diferida do orçamento estimado, que poderá ser divulgado em momento posterior, quando da adjudicação do objeto, ou seja, no momento de encerramento da licitação.
PUBLICIDADE DO ORÇAMENTO ESTIMADO
Um dos maiores questionamentos feitos pelos operadores de direito quanto à Lei 12.462/2011 diz respeito à publicidade do orçamento estimado. O artigo 6º da citada Lei assim estabelece:
Art. 6º. Observado o disposto no §3º, o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração as propostas.
A observação estabelecida no § 3º diz que:
§3º. Se não constar do instrumento convocatório, a informação referida no caput deste artigo possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno.
Percebe-se, pois, que a legislação em tela tratou da não divulgação do orçamento estimado pela Administração Pública para o objeto a ser licitado, havendo a divulgação de tal orçamento apenas após a adjudicação do objeto licitado, ou seja, findada a licitação.
De acordo com os textos do artigo 6º acima transcritos, é fato que o orçamento estimado para as contratações abrangidas pelo regime diferenciado de contratação possui caráter sigiloso, exceto para os órgãos de controle interno e externo. Os interessados em participar do certame não têm, até o final da licitação, acesso ao orçamento estimado.
A divulgação prévia, só é necessária na hipótese de licitação que adote como critério de julgamento o maior desconto e no caso em que haja julgamento pela melhor técnica, com prêmio ou remuneração já arbitrado, conforme parágrafos 1º e 2º do artigo 6º da Lei 12.462/2011:
§1º Nas hipóteses em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, a informação de que trata o caput deste artigo constará do instrumento convocatório.
§2º No caso de julgamento por melhor técnica, o valor do prêmio ou da remuneração será incluído no instrumento convocatório.
Ponto importante a se destacar é que o Tribunal de Contas da União já havia firmado entendimento no sentido de que a divulgação do orçamento estimado pode se dar juntamente com o edital ou em fase posterior, exceção esta estabelecida pela Corte de Contas para o pregão, conforme Acórdão 114 /2007 – Plenário.
O impacto da questão da publicidade do orçamento estimado decorre do fato de que a Lei 8.666/93 tratava de forma exaustiva sobre o tema, trazendo em inúmeros dispositivos a diretriz de ampla publicidade e divulgação do orçamento estimado para todas as modalidades licitatórias, independente da forma de contratação.
Por último, o artigo 44, §1º da Lei 8.666/93 informa a vedação da utilização de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes, o que confirma a obrigatoriedade da divulgação do orçamento estimado nos regimes de licitação da citada lei.
Por fim, não se pode olvidar que existem riscos inerentes ao diferimento da publicidade do orçamento estimado, sendo o principal deles a quebra do sigilo do orçamento feito pela Administração e seu fornecimento a licitantes determinados, o que trará claros benefícios a estes.
Outro aspecto, não menos relevante, diz respeito à possibilidade de licitação fracassada. De acordo com o artigo 24, III da Lei 12.462/2011, serão desclassificadas as propostas que permaneçam acima do orçamento estimado para contratação, verbis:
Art. 24. Serão desclassificadas as propostas que:
I – contenham vícios insanáveis;
II – não obedeçam às especificações técnicas pormenorizadas no instrumento convocatório;
III – apresentem preços manifestamente inexequíveis ou permaneçam acima do orçamento estimado para a contratação, inc lusive nas hipóteses previstas no art. 6o desta Lei (grifo nosso);
Pode ocorrer que a estimativa feita pela Administração seja em preço bem inferior àqueles apresentados pelos licitantes, o que ocasionará na desclassificação de propostas de preços compatíveis com o mercado, por falha na estimativa de custos.
O risco exacerbado da norma em destaque haverá apenas em caso de não existência de projeto básico, pois, somado à não publicidade prévia do orçamento estimado pela Administração Pública acarretará em uma licitação sem objeto detalhado e sem preço detalhado, razão pela qual entendo que deve ser necessário o projeto básico, e não mero anteprojeto de engenha ria, porém, com possibilidade da publicidade diferida do orçamento estimado, que poderá ser divulgado em momento posterior, quando da adjudicação do objeto.
Não obstante os riscos expostos, somos do posiciona mento de que os benefícios trazidos pela norma superam os riscos inerentes à mesma. Ainda que os riscos fossem superiores, não haveria inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois, a norma do artigo 6º se adequa ao ordenamento jurídico pátrio.
MEIO AMBIENTE
Questão não menos importante diz respeito ao direito constitucional dos indivíduos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A Constituição Federal assim determina:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
A Carta Magna estabelece ainda que, para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder Público:
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
Ocorre que a Lei 12.462/2011, em seu artigo 4º, ao dispor sobre questões relacionadas ao meio ambiente, trouxe ponto polêmico, conforme texto a seguir:
Art. 4o Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes:I – padronização do objeto da contratação relativamente às especificações técnicas e de desempenho e, quando for o caso, às condições de manutenção, assistência técnica e de garantia oferecidas; (…)VI – parcelamento do objeto, visando à ampla participação de licitantes, sem perda de economia de escala.§1o – As contratações realizadas com base no RDC devem r espeitar, especialmente, as normas relativas à:I – disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos gerados pelas obras contratadas;II – mitigação por condicionantes e compensação ambiental, que serão definidas no procedimento de licenciamento ambiental;III – utilização de produtos, equipamentos e serviços que, comprovadamente, reduzam o consumo de energia e recursos naturais;(…)VI – acessibilidade para o uso por pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.§ 2o O impacto negativo sobre os bens do patrimônio cultural, histórico, arqueológico e imaterial tombados deverá ser compensado por meio de medidas determinadas pela autoridade responsável, n a forma da legislação aplicável.
O fato é que tais dispositivos não podem receber interpretação no sentido de que, caso as obras ou atividades causadoras de danos ambientais ocorram, serão aplicadas apenas medidas compensatórias e mitigadoras.
O instrumento adequado para avaliar a extensão do possível dano é o estudo de impacto ambiental, previsto no dispositivo constitucional acima citado. Este estudo é de fundamental importância para decidir-se se é possível e adequada a realização da obra, serviço ou atividade, bem como para apontar as condições em que ocorrerão seu desenvolvimento.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4655, em trâmite, e sem apreciação conclusiva pelo Supremo Tribunal Federal questionou acerca da interpretação desse normativo.
Para o Ministério Público Federal, órgão responsável pelo ingresso da ação constitucional, deve ser declarada a inconstitucionalidade parcial, porém, sem redução de texto, apenas para afastar qualquer interpretação que dispense exigências estabelecidas nas normas que regulam o licenciamento ambiental, em especial a avaliação sobre a possibilidade de realização da obra, serviço ou atividade.
Nesse ponto, também não há que se falar em inconstitucionalidade, pois o texto se adequa à Constituição Federal e à legislação pátria que trata do tema.
O RDC não tem o objetivo de trazer normas concernentes à legislação ambiental, já vasta em nosso ordenamento jurídico, ficando o procedimento ambiental a ser seguido regulado pela legislação pátria extravagante acerca do tema, sempre em consonância com o artigo 225, caput e inciso IV da Constituição Federal.
Pela legislação elencada acima, que não esgota o tema, percebe-se que há total desnecessidade de se adentrar no mérito da constitucionalidade ou não do artigo 4º, §1º da Lei 12.462/2011, pois o próprio texto já expõe que a mitigação por condicionantes e a compensação ambiental serão definidas no procedimento de licenciamento ambiental, que, logicamente, obedecerá a todos os normativos pátrios concernentes ao meio ambiente.
A verificação da adequação dos procedimentos licitatórios às normas ambientais, com o regular estudo de impacto ambiental é função dos órgãos de controle externo, em especial dos Tribunais de Contas, sem prejuízo das competências do Ministério Público.
Por todo o exposto, verifica-se que não há, sob qualquer hipótese, inconstitucionalidade no disposto no artigo 4º, §1º da 12.462/2011, em especial em seu inciso II.
A busca pela inconstitucionalidade decorre da falha interpretativa daquele que busca entender a legislação, e não do texto da lei em si, tanto é assim que o Ministério Público não solicitou a supressão do texto na Ação Direta de Inconstitucionalidade que ingressou.
Pugnou o parquet por uma interpretação legislativa em acordo com a Constituição Federal e com a legislação pátria, o que se mostra totalmente descabido, visto que as normas devem sofrer interpretação sistemática, que consiste em considerar o preceito jurídico interpretando como parte do sistema normativo mais amplo que o envolve.
Finaliza-se, portanto opinando pela constitucionalidade e validade do artigo em destaque, pois a norma do artigo 4º, § 1º se adequa ao ordenamento jurídico pátrio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O regime diferenciado de contratação surgiu com o nobre intuito de trazer consigo a celeridade no altamente burocrático procedimento licitatório, porém em caráter urgente, trazendo brechas passíveis de arguição de inconstitucionalidade.
Em que pese não estar nas hipóteses de incidência previstas na lei geral de licitação (8.666/93), nota-se que tal procedimento é sim submetido aos princípios gerais previstos na lei geral, mormente o fato de que a referida lei tem por escopo regularmente um importante ditame constitucional que funciona como fundamento de validade de todos os procedimentos licitatórios, sendo o RDC, assim, apenas um plus dos 5 procedimentos já conhecidos da lei 8.666/93.
Por conta da óbvia submissão da 12.462/11 aos ditames constitucionais de 1988, seu corpo positivo já foi objeto de inconstitucionalidade que até o presente momento não recebeu um ponto final. Portanto, a autonomia legislativa da lei 12.462/2011 é claramente mitigada pela lei 8.666/93. Apesar de realmente possuir determinadas brechas que podem ensejar teses de inconstitucionalidade, a lei do RDC é clara e delimitativa quanto às suas hipóteses de ocorrência, carecendo, entretanto, de uma maior minúcia em determinados pontos.
Autor: Prof. Lourival Silva
Doutorando em Educação; Pós-graduado em Docência do Ensino Superior; Pós-graduado em Administração Pública e Gerência de Cidades; Bacharel em Ciências Contábeis; Auditor; Perito Contábil e Financeiro; Especialista em Licitações e Contratos Administrativos; Instrutor; Pregoeiro; Palestrante e Técnico em Contabilidade.